terça-feira, 3 de maio de 2016

COMERCIALIZAÇÃO DE SEGUROS POR MEIOS REMOTOS E A LEGISLAÇÃO

Por MIRO CEQUINEL 

            Vivenciamos uma época de mudanças nos comportamentos sociais de consumo. Os avanços tecnológicos têm causado forte impacto sobre as mais diversas áreas do conhecimento e das relações humanas. A internet, o celular e a televisão se tornaram ferramentas e/ou canais de vendas de produtos, bens e serviços, e em 2013 foram responsáveis por um faturamento de R$ 28 bilhões conforme o e-bit, uma das principais fontes de informação desse segmento – e usada muitas vezes em palestras e eventos recentes do mercado segurador, mas que ainda não computa dados do mercado de seguros. E a tendência indiscutível é que esse comércio continue a crescer, pois no Brasil, dos quase 200 milhões de habitantes, cerca de 107 milhões acessam a internet e 51 milhões já realizaram alguma compra por este canal.
            Muitos segmentos já realizam hoje vendas por meios não presenciais, em especial os de moda e acessórios, eletrodomésticos, cosméticos, informática e livros/revistas, de maneira que começamos a ter a necessidade de legislação e regulação atualizadas (grande parte da legislação sobre o tema havia sido elaborado nos anos 90), que se adaptem a essa realidade.
            Em março de 2013, foi publicado pela Presidência da Republica, o Decreto nº 7.962, que regulamenta a lei nº 8.079 de 11 de Setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Este marco regulatório institui, entre outros pontos, que o consumidor deve ter acesso a informações claras sobre o produto, serviço e fornecedor, atendimento facilitado e seu direito de arrependimento assegurado. Existem ainda outros projetos de Lei tramitando no Senado sobre o assunto, como o Projeto de Lei do Senado nº 439/11 e o 281/2012 (que podem ter continuidade, ou não, pois muitas vezes o seu proponente pode não ter tido o mandato renovado, e o projeto pode morrer no labirinto legislativo, que envolve comissões e subcomissões criadas para discutir os temas, audiências públicas, consultas a entidades, etc.)  .
            No mercado de seguros, da mesma forma que o governo da Índia, através do IRDA (Insurance Regulatory and Developmente Authority) veio a publicar em 2011 uma legislação federal amparando a compra de apólices de forma desmaterializada, no Brasil, após debate promovido pela Susep para colher subsidio para o marco regulatório, em Setembro de 2013, foi publicada também a Resolução do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados)  294/2013, regulamentando a utilização de meios remotos nas operações de seguros e de Previdência Complementar Aberta. A resolução define meios remotos como aqueles que permitam a troca e/ou acesso à informação e/ou todo tipo de redes de comunicação envolvendo o uso de tecnologias como a rede mundial de computadores, telefonia (telemarketing, SMS), televisão a cabo ou digital, sistemas de comunicação por Satélite. Diferentemente da legislação indiana, que parece entender os meios remotos como uma ferramenta, a legislação brasileira, parece entendê-lo como um novo canal de venda.
            Porém o principal objetivo da resolução 294 é resguardar o direito do consumidor, regulando a prática pela venda desmaterializada, estabelecendo que as operações de seguros, realizadas através de meios remotos devem garantir alguns preceitos básicos como:
1) A comprovação da autoria e integridade de documentos contratuais encaminhados pela sociedade.
2) A identificação do contratante, assegurando a autenticidade, a confidencialidade e a integridade de seus dados.
3) A segurança na troca de dados e informações com o contratante e, quando couber, com o corretor, no envio de senhas e procedimentos envolvendo solicitações de cancelamentos e alterações das condições contratuais.
4) A confirmação do recebimento de documentos e mensagens enviadas pela sociedade ao contratante ou, quando couber, ao corretor.
5) O fornecimento de protocolo ao contratante, em qualquer operação de envio, troca de informações e/ou transferência de dados e documentos.
6) A possibilidade de impressão do documento e se o contratante solicitar, fornecer a sua versão física.
Como já vem sendo realizado na emissão de apólices negociadas pelos meios tradicionais (contratos estes já emitidos em sua maioria eletronicamente), a emissão de apólices e certificados individuais devem seguir as normas da ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras) ou outra autoridade Certificadora Raiz.
            De maneira a assegurar a identidade do usuário da mídia eletrônica (proponente do seguro), porem de forma flexibilizada, além do uso de certificação digital, a formalização da proposta de contratação pode ser feita através de Login e senha, ou identificação biométrica. Ou seja, o entendimento do órgão regulador é que a assinatura digital através de Certificação Individual ICP deve ser utilizada obrigatoriamente apenas pela seguradora (apenas em uma das pontas), podendo no caso do usuário, esta identificação ser substituída por um Login e Senha. Entendendo que a seguradora é a emissora da apólice, e que somente ela é obrigada a assinar digitalmente o contrato firmado, aqui começamos uma inversão do que vemos historicamente na venda tradicional, onde o cliente é o “Proponente” do contrato de seguros, e o mesmo se origina com a emissão da proposta.
            A sociedade deve fornecer ao segurado, com a utilização de meios remotos, os protocolos obrigatórios previstos na legislação. Como por exemplo o protocolo que atesta o recebimento do aviso de sinistro, de envio de documentos de contratação, e de envio de informações.
A Susep teve ter garantido o acesso à todos os documentos através de Login e senha, sendo que de maneira bastante similar o regulador indiano solicita o mesmo em sua legislação de 2011.

            Para as operações de planos de previdência complementar aberta e de seguro de vida com cobertura por sobrevivência sejam válidas, deverá ser feito o registro prévio no Sistema de Registro Eletrônico de Produtos – REP da SUSEP e disponibilizar ao proponente, previamente, o regulamento de tais produtos.
A Resolução também reforça sobre o direito de arrependimento, que já era assegurado aos contratantes pelo Código de Defesa do Consumidor: o contratante poderá desistir do contrato no prazo de 7 (sete) dias corridos a contar da data da formalização da proposta. Ao exercer o direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, serão devolvidos de imediato, respeitado o meio de pagamento utilizado pelo cliente, sem prejuízo de outros meios disponibilizados pela seguradora e expressamente aceitos pelo segurado.
Apesar da legislação se destinar a diversos meios de venda remota, o que vemos é que a mesma no Brasil foi em grande parte pensada na venda pela Internet (diferente da legislação Indiana que quando analisada deixa claro que foi pensada centrando a venda por telefone/ call center). Ocorre que grande parte das vendas realizadas por meio remoto hoje no Brasil, assim como na Índia, ainda são realizadas por telefone, ou até mesmo através de SMS (Serviço de Mensagens Curtas) - meios que enfrentam grande dificuldade em atender a nova legislação brasileira, que foi pensada pelos reguladores visando a Internet.
Após a leitura da Resolução, no que tange aos corretores de seguros, fica a impressão de que o regulador  brasileiro pensou nesses meios como um canal independente de venda ao consumidor, possivelmente sem grande participação, ou até mesmo sem ser uma iniciativa direta do corretor de seguros (que pouco é mencionado na resolução), porem a venda on-line no mercado brasileiro teve início pelo meio da corretagem (e da criação de diversas corretoras de seguros “startups1” constituídas especialmente para a venda on-line) e certamente esses novos meios continuarão a ser usados pelo corretor de seguros para oferecer produtos aos seus clientes.
Como a comercialização de seguros é consultiva (e muitas vezes uma venda relacional), ainda está distante o dia em que a figura do corretor será excluída da comercialização de seguros. Porem, será necessário que o corretor de seguros se adapte às exigências do novo consumidor, se integrando cada vez mais às novas tecnologias, uso de novas ferramentas e seus avanços. No mercado brasileiro, os meios remotos tendem a se estabelecer, não como mais um canal de distribuição, e sim mais como uma ferramenta, com a função de facilitar o acesso de mais pessoas à necessária proteção do seguro.

Valdemiro Cequinel Belli  -Corretor de seguros e sócio da Cequinel Cor. Adm. Seguros,  formado em Economia e em Processamento de Dados,  possui especialização em Estratégias de Vendas (MBA), é professor da Escola Nacional de Seguros, nos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul.





1.       Startups: Empresas recém criadas, normalmente de base tecnológica, em busca por um modelo de negócios inovador.